30 de abril de 2015.
Nós, Guarani Mbya do município de São Paulo, que hoje vivemos em três aldeias na Terra Indígena Jaraguá e seis aldeias na Terra Indígena Tenondé Porã, anunciamos a todos vocês, aos órgãos do governo, e à justiça, que não aceitamos a reintegração de posse ordenada contra o nosso povo, no Tekoa Itakupe, aldeia Sol Nascente, na Terra Indígena Jaraguá. Todos nós os Guarani de São Paulo temos parentes que vivem lá, e nós não abandonaremos nem eles nem esta terra. O Itakupe é o único pedaço de chão de que dispomos para construir nossas casas sem nos espremermos, é a única terra em que podemos plantar nosso alimento e manter nossa cultura.
O Sr. Antonio Tito Costa diz ter comprado a terra há muitos anos, mas perguntamos a vocês “quando ele viveu aqui?”,“quando foi que ele pisou nessa terra?”, e os brancos, juruá kuery, não souberam responder. O juiz mandou antropólogos, a FUNAI veio com os estudiosos, e eles escreveram no papel do processo o que nós já sabíamos: que esta terra é indígena. Mas mesmo assim a justiça dos brancos segue insistindo em nos tirar de lá.
Nós crescemos ouvindo histórias de nossos antepassados que caminhavam por aquela mata colhendo remédio, plantando mandioca, milho, batata doce, amendoim, e tudo o mais que nosso pai Nhanderu deixou nessa terra pra que os índios cuidassem. O que nós queremos é que nossos filhos também possam ter histórias pra contar, que eles possam, em cima deste chão, aprender a nossa cultura, que eles possam transmitir ela aos filhos deles, e aos netos, às futuras gerações.
Já este senhor, Antonio Tito Costa, quer despejar nossas famílias. Não respeita nem nós, nem a terra, nem nossos costumes. Esse senhor, Antonio Tito Costa, quer despejar nossa aldeia e encher o chão de eucalipto que seca e estraga a terra, quer encher de dinheiro a sua conta no banco . Há dinheiro que pague a morte de uma nascente? Há dinheiro que pague a sede de São Paulo? Esse senhor, Antonio Tito Costa, foi à televisão chamar nossas crianças de sujas, e ele diz sujas porque elas andam e brincam descalças na terra. Essa mesma terra que ele quer roubar de nós. Para nós ela não é suja, é sagrada. Suja deve ser a consciência de quem destrói a vida na terra.
Nós poderíamos chamar o senhor Antonio Tito Costa para conhecer com o povo Guarani a sabedoria da mãe terra, para vir conhecer nossas roças, tomar conosco a erva mate sagrada, e escutar as histórias de nossos antepassados. Mas ele quis a guerra. Nós já não temos outra opção senão convocar os nossos xondaro, nossos guerreiros, para proteger nossa aldeia e não deixar que ninguém nos expulse. Os dois mil Guarani da Capital do Estado de São Paulo já estão dispostos a lutar com toda a força que temos para que nossas crianças tenham futuro. Os parentes do litoral já tomaram seus guyrapa, os arcos, e já estão afiando as suas flechas.
No Jaraguá somos mais de 700 parentes vivendo na menor área indígena do Brasil, nós não temos para onde ir. A aldeia Itakupe é nossa, já foi reconhecida pela FUNAI como terra tradicional, e é o único lugar que temos para viver. Nós defenderemos com a vida o último pedaço de chão que nos resta. Se o senhor Antonio Tito Costa quiser plantar eucaliptos, quiser construir prédios, terá de fazer por sobre os nossos corpos enterrados na aldeia Itakupe.
Queremos anunciar a todos vocês, aos órgãos do governo, e à justiça, que vamos resistir com nossas vidas. O povo Guarani está em guerra há muito tempo, toda essa cidade está erguida sobre o túmulo dos nossos guerreiros. A demarcação que nós pedimos é muito pouco perto de tudo que os brancos tomaram de nós, e não podemos abrir mão de nem mais um palmo de terra.
Ainda há uma chance para que a justiça do branco cancele esse despejo, e ainda há uma chance para que o senhor Tito Costa desista de tomar o que é nosso por direito e desista da reintegração. Pedimos a todos vocês, aos órgãos do governo, e à justiça, que considerem nossa decisão.
Nós só queremos viver em paz com dignidade.
Aguyjevete,
Muita força pra quem luta!
Fonte: https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/guarani-do-jaragua-reafirmam-que-nao-sairao-de-suas-terras-na-zona-norte-de-sao-paulo