Documento do VI Encontro dos Kujã
Nos dias 23, 24, 25 e 26 de novembro de 2016, em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, na Terra Indígena Morro do Osso, mais uma vez nos reunimos com os líderes espirituais do nosso grande Povo Kaingang, os Kujã.
Como nos encontros anteriores, este foi de novo um momento de profunda espiritualidade, de ritualização, de danças, cantos que ecoam sobre a grande cidade e alcançam nossos espaços sagrados espalhados pelo Sul do país. Aqui, nesses dias, nos fortalecemos mutuamente, batizados pelas mãos dos Kujã, aqueles que dão coesão a nossa organização sociopolítica Kaingang. São eles que orientam a nossa existência, a nossa resistência e iluminam nosso caminho. Eles ajudam a contar a nossa história, nesse território que habitamos a milhares de anos, mesmo antes da chegada daqueles que nos escravizaram, nos desprezaram, nos trataram como atrasados, exploraram e devastaram a terra e quase toda a natureza.
Lamentavelmente continuamos a ver nosso povo sendo humilhado, desrespeitado, acusado e condenado por lutar para garantir o direito as nossas terras. Vivemos num país e num estado que se nega a admitir sua dívida histórica com os povos indígenas, um Estado que se alimenta das terras onde os antepassados foram plantados como guardiões. E essa força ancestral nos encoraja a lutar contra a ambição daqueles que não hesitam em encharcar as mãos como o nosso sangue.
Mas permanecemos, apesar deles, lutando por nossos direitos originários à terra mãe e aos espaços sagrados. Lutaremos por nossa vida e nosso futuro. Lutaremos por aquilo que nos pertence. Atualmente sobrevivemos em terras diminutas que foram demarcadas, e, na beira de rodovias, sem o mínimo de condições de um bem viver. Nós, os Kaingang, somos a 3ª maior população de povos originários do Brasil e, apesar disso, vivemos dias cinzentos e incertos, marginalizados e impedidos de vivermos na própria terra.
E exigimos respeito! Não aceitaremos a violência como resposta às nossas pautas e demandas. Não vão nos paralisar e nem nos amedrontar com a perseguição e nem mesmo com as prisões de nossas lideranças e de nossas famílias. Querem nos amedrontar. Prenderam nossos parentes em Passo Grande do Rio Forquilha porque lá estão lutando pela terra e contra os esquemas de exploração e arrendamentos. Sabemos que fazendeiros, políticos, delegados e até juízes e procuradores querem, na região norte do Rio Grande do Sul, manter o costume errado e ilegal do arrendamento de nossas terras. Eles fazem discursos contra os nossos direitos porque querem que nossas terras estejam a sua disposição para serem exploradas.
Exigimos da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério da Justiça o reconhecimento de nossos territórios, solicitamos sua identificação e delimitação, seguida da demarcação e homologação nos termos do artigo 231 da CFB/1988, do Decreto 1775/96 e da Portaria 14/96. Exigimos um basta na criminalização de lideranças e que os crimes contra indígenas e contra nossas terras sejam investigados com rigor e punidos, acabando assim com a onda de violências.
Exigimos respeito aos nossos costumes, nossa cultura, tradição e tratamento digno nas ações dentro de nossas terras. Denunciamos a desproporcionalidade de força utilizada em operações policiais nas terras indígenas. O mais recente caso aconteceu na Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha que deixou a comunidade em estado de choque. Parecia muito mais um espetáculo, para mostrar força e para intimidar a comunidade. Lá prenderam pessoas de forma ilegal, lá constrangeram as pessoas, espancaram e torturaram, inclusive crianças, mulheres e deficientes físicos. Que justiça é essa que os “civilizados”, os brancos, tanto prezam? Um justiça pautada na violência e na intolerância?
Repudiamos também todas as propostas que estão nas pautas dos poderes dos brancos que pretendem retirar nossos direitos, tais como a PEC 215/2000, o Projeto de Lei 237/2012 e o Projeto de Lei do 31/2015. Manifestamos também nosso repúdio ao uso, pelo Poder Judiciário Brasileiro, do o marco temporal da Constituição Federal de 1988 como regra para as demarcações de terras. Essa interpretação quer aniquilar com as possibilidades de termos terra pra viver. Com essa estratégia, desejam negar o direito à terra de nossas comunidades e povos que delas foram expulsos. Como estaríamos na nossa terra em 1988 se dela nos arrancaram com violência e mataram nossos antepassados? Não vamos aceitar mais esse tipo manobra.
Por fim, este encontro dos Kujã reforça a importância de nos unirmos e nos articularmos pelos nossos direitos, especialmente de nossas terras, afinal sem a demarcação de nossos espaços tradicionais de vida, não teremos educação indígena de qualidade, não teremos saúde de qualidade, não teremos sequer nossa cultura.
Nós estamos finalizando este documento não como um lamento, mas como uma voz da justiça, falada, rezada e entoada por nossos líderes Kujã, caciques, parteiras, e de nossos professores, estudantes, agentes de saúde, técnicos em enfermagem, enfermeiros, nossos velhos, jovens, crianças, nossas famílias, das terras indígenas de Nonoai, Iraí, Vicente Dutra, Rio da Várzea, Inhacorá, Votouro, Kandóia, Xingu, Campo do Meio, Kondá, Apucaraninha, Morro dos Cavalos, Lami, Itapuã, Irapuá, São Leopoldo, Ligeiro, Kandóya, Lomba do Pinheiro. Guarita, Tabaí, Morro Santana e Morro do Osso.
Comunidade Kaingang do Morro do Osso