23 de janeiro de 2016.

Do Povo Pataxó para o Brasil

PELA DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA COMEXATIBA\ KAÍ-PEQUI: Sobre a  arbitrariedade e a expulsão dos Pataxó da Aldeia Kaí  

No dia 19 de janeiro de 2016 fomos novamente expulsos da nossa Terra.  As sete horas da manhã fomos surpreendidos com 8 viaturas da CAEMA; uma da  Polícia Militar de Itamaraju; uma da Polícia Federal; quatro carros de propriedade  particular com policiais no seu interior; uma retroescavadeira e máquinas da Prefeitura  Municipal de Prado; vários policiais civis e da guarda municipal comunitária prontos  para destruir as residências e proceder com a reintegração de posse em favor da  reclamante – a pretensa proprietária da área que retomamos em 2013, e que está  incluída na Terra Indígena Delimitada Comexatiba.  

O delegado da polícia federal de Porto Seguro chegou agressivamente, ameaçando e  tentando intimidar as lideranças com ameaça de prisão, sem apresentar nenhum  documento e exigiu a desocupação imediata da área. Tentamos contato com a FUNAI,  que compareceu na situação do conflito as 13 horas, sem nenhuma providencia legal  para suspender mais esta injustiça contra nós, os indígenas. O ministério público de  Teixeira de Freitas que acompanha o processo declarou desconhecimento do  procedimento, como seria usual.  

A maior humilhação que sentimos foi diante do procedimento que orientou a  desocupação e destruição das nossas casas que foi acompanhado de perto e assistido  de camarote pela suposta proprietária, Catarina Azevedo Pompeu e seu filho Rui  Flavio, com o apoio e proteção da polícia federal e do Estado da Bahia. A mesma  pessoa que nos ameaça cotidianamente nas ruas que é a titular impetrante da  respectiva ação é que foi sua própria executora. O que mais nos causa perplexidade é  constatar que, quando a Kombi Escolar da Aldeia Kaí foi queimada por pistoleiros não  vimos nenhuma ação da polícia ou ação da justiça para nos defender. Quando nossa  oca de cultura foi incendiada, não conseguimos nem registrar um boletim de  ocorrência junto à delegacia de polícia de Prado. Quando nossas lideranças foram  tocaiadas e atacadas por tiroteio, não fomos ouvidos.  

Em reunião com o Vice-Governador e Comando da Polícia Militar da Bahia, em  novembro de 2015, foi assumido o compromisso conosco que não aconteceriam ações  policiais desta forma, à revelia. Mas, não é essa a garantia que presenciamos agora.  Fomos informados que esta ação não partiu do Comando de Salvador, mas de uma  mobilização de agentes políticos e fazendeiros regionais comprometidos com os  especuladores de terra e grandes fazendas da região que contrataram o serviço.  Perguntamos: Se tal comando é desconhecido pela Secretaria de Segurança Pública  que comando, então, terá partido esta operação?  

Fomos informados que as Polícias Estaduais não dispõem ainda, de recursos de custeio  para estas operações e pairam rumores de que esta foi feita com financiamento  privado. Quem terá financiado? Isso está direito? Assistimos o pretenso proprietário e 

impetrante da ação distribuindo alimentação para os policiais no momento de sua  execução. Perguntamos: É lícito um especulador de terra financiar a polícia para  desalojar e humilhar dezenas de famílias indígenas que lhes incômodas e indesejáveis  ?  

Ao final da desocupação assistimos, ainda, com a presença e anuência da polícia, a  entrada de quatro pistoleiros, que se identificaram como se fossem policiais,  contratados para impedir nosso retorno à terra pelos supostos proprietários que a  tudo assistia, atentamente.  

No dia seguinte aos acontecimentos, a vice cacique da aldeia Kaí, Jovita de Oliveira foi  interpelada e acusada de atear fogo na ponte a caminho da aldeia (ponte do rio do  Peixe Grande). O que ocorreu de fato foi o incêndio de uma moto, caso sem qualquer  relação com o conflito, como foi comprovado mais tarde no mesmo dia. Acusação feita  pelo sub-tenente da polícia militar lotado em Cumuruxatiba e gravada ao telefone pela  mesma. Tememos que novas acusações infundadas contra nossas lideranças gerem  humilhação, constrangimento, violência e novos argumentos para esse regime de  arbítrio colonial.  

Recebemos cópias de outros processos de reintegração de posse por toda a Terra  Indígena, todos assinados pelo mesmo juiz, que desconsidera completamente o direito  indígena. Chama a atenção as reintegrações concedidas a pessoas que ocuparam  irregularmente a área de reforma agraria PA Cumuruxatiba. Como é possível uma  pessoa que não é sequer cadastrada no INCRA como assentado, que tem uma ordem  de retirada do lote vencida, obter o direito na justiça de retirar indígenas?  

Este caso desrespeita também o compromisso do INCRA durante o processo de  negociação na Câmara de conciliação em Brasília. O INCRA sequer consta nos  processos, é como se a terra não fosse da União. Citamos, entre outros, o caso de  Eurenice Ferreira Deen, lote 90. No INCRA este lote está em nome do assentado Lino  da Silva e Maria de Lourdes do Amor Divino. Como uma invasora sem nenhuma  titularidade consegue que este juiz conceda sua reintegração de posse?  

Diante desta situação clamamos por justiça e que a Lei seja cumprida:  

O decreto 1775 que regulamenta a demarcação de terras indígenas estabelece prazos  para todos os procedimentos. Esperamos que o Ministério da Justiça assine  imediatamente o ato demarcatório proporcionando a segurança jurídica para nossa  permanência na Terra;  

Clamamos por uma providência das instâncias superiores da Justiça, suspendendo as  liminares de reintegração de posse que estão sendo sistematicamente concedidas pelo  Juiz de Teixeira de Freitas;  

Solicitamos uma manifestação oficial do INCRA sobre os mais de trinta lotes com  ocupação irregular no assentamento Cumuruxatiba, e sobre as liminares concedidas  aos ocupantes irregulares(não indígenas). 

Solicitamos que as dúvidas e irregularidades sobre esta operação policial de despejo  sejam esclarecidas, em nome da segurança pública, da democracia, dos direitos  humanos e direitos indígenas.  

Confiando no Ministério Público, na Justiça e no Estado Democrático de Direito,  aguardamos com ansiedade, sofrimento e esperança pelas referidas providências.

 

Fonte: https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/manifesto_pataxo.pdf

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