Goiânia, 12 de abril de 2000.

Dos Povos Indígenas para o Povo de Goiânia

Goiânia, 12 de abril de 2000.

Manifesto ao Povo de Goiânia

Cidadãos Goianienses!

Nós, representantes das nações indígenas do Acre, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e Goiás, seguindo rumo a Porto Seguro, na Bahia, em nossa Marcha em repúdio às comemorações dos 500 anos de invasão da nossa terra, queremos, ao passar por esta cidade de Goiânia, deixar aqui a nossa palavra, como sobreviventes de povos humilhados, massacrados, escravizados e exterminados, que não perderam a vontade de lutar e resistir, apesar de tantos séculos de opressão. 

Queremos, em primeiro lugar, fazer algumas perguntas. Onde estão os povos indígenas que antes viveram nesta região? Onde estão os indígenas da nação Goyá que gabitavam as proximidades de onde hoje se encontra a cidade de Goiás Velha? Onde estão os Kayapó que ocupavam toda a região sul deste estado? Onde estão os indígenas da nação Xavante?

Dentre esses três povos citados, o único sobrevivente é o povo Xavante, porque decidiu se refugiar em território mato-grossense, depois de suportar muitos anos de massacres e mentiras. Os outros povos, ou foram levados como escravos para outras regiões do páis, pelos bandeirantes, ou foram exterminados pelos invasores que aos poucos ocuparam esta terra. Restam ainda em Goiás, remanescentes da nação Tapuia, da nação Karajá e alguns sobreviventes da nação Avá-Canoeiro, que até há pouco eram caçados a tiros de espingarda pelos criadores de gado. 

Por isso, estamos lembrando a vocês, que as vossas cidades, as vossas plantações, as vossas pastagens para criação de gado, foram implantadas sobre as terras de nossos antepassados e que os invasores, para tomar essas terras, tiveram que loavar esse chão com o sangue dos povos que aqui viviam. 

Depois de 500 anos de massacre e opressão, nós não podemos ficar calados diante de tanta injustiça cometida contra nossos povos. Não podemos esquecer que a nossa população, quando os portugueses chegaram no Brasil era de aproximadamente 5 milhões de pessoas e hoje somos apenas uns 350 mil. Éramos mais de 900 povos com línguas e culturas diferentes entre si e hoje estamos reduzidos a uns 200 povos apenas.

Mas vocês podem contribuir para que sejam reparados, ao menos em parte, os crimes que foram cometidos contra nós. Podem fazer isso, primeiramente buscando conhecer a história dos povos indígenas que viveram aqui, para verificar que, de fato, eles foram vítimas da combiça e da completa falta de respeito pelos direitos de outros povos, de parte de gerações anteriores às de vocês.

É preciso, também, que vossos filhos conheçam essa história de violência praticada contra os povos indígenas. Nós perguntamos a vocês, por exemplo, por que vocês consideram como vossos herois, personagens que foram grandes assassinos e genocidas? Paranós, continua sendo uma violência, ainda hoje, o fato de vocês prestarem homenagens aos bandeirantes, como o Anhaguera, que está representado aqui nesta estátua, no coração de vossa cidade, sendo que estes homens cometeram tantos crimes contra nossos antepassados. QUe lição vocês querem ensinar com isso para vossos filhos? Que os assassinos e genocidas devem receber grandes homenagens nas ruas e praças de vossas cidades?

Vocês podem contribuir, ainda, para reparar os crimes que foram cometidos contra nós, opondo-se a toda forma de discriminação e preconceito e colocando-se decididamente contra qualquer projeto que ponha em risco a vida e o futuro dos nossos povos, sobretudo, projetos como os de hidrelétricas, de rodovias, de hidrovias, de mineração, etc, que o governo e grandes grupos econômicos querem a todo instante  implantar em nossas terras. E, por fim, vocês podem apoiar a luta dos povos indígenas pela recuperação de suas terras. Assim, vocês estarão fazendo também alguma coisa concreta para que o Brasil seja um país mais justo, mais democrático e mais respeitoso para com os povos indígenas que aqui vivem desde tempos imemoriais.

Marcha Indígena 2000

Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular.  

Fonte: https://repositorio.unb.br/handle/10482/35098

 

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