Aldeia Brejinho Terra Indígena Apinajé, 10 de dezembro de 2018.

Da Assembleia dos Povos Indígenas do Tocantins para o Brasil

Nós lideranças indígenas, representantes dos povos Apinajé, Krahô, Xerente, Krahô Takaywrá, Javaé, Krahô-Kanela, Awá Canoeiro estivemos reunidos na Assembleia dos Povos Indígenas de Tocantins realizada no período de 07 a 09/12/2018 na aldeia Brejinho, Terra Indígena Apinajé, no município de Tocantinópolis -TO. Durante três dias, mais de 200 lideranças dialogamos, debatemos e analisamos a situação política do país; com especial atenção sobre a política indigenista ameaçada e desprezada pelo presidente eleito em 2018. 

Na abertura da Assembleia lembramos nossos mártires, lutadores e lutadoras que morreram na esperança de melhorar a vida e o futuro de todos os povos. Destacamos a luta das mulheres indígenas que mesmo numa situação desfavorável de insegurança, medo, ameaças e violências nunca desistiram de lutar por território, saúde, educação e pelo Bem Viver de suas famílias, comunidades e povos. Lembramos a história, a resistência, a memória e a luta de Maria Almeida Apinagé, Maria Barbosa Apinagé, e tantas outras mulheres e homens lutadoras (os).

Em nossa Assembleia analisamos a atual conjuntura de insegurança, hostilidades, ódio e ameaças concretas contra nossos direitos constitucionais nos próximos quatro anos do governo de Jair Messias Bolsonaro. Entendemos que nossas articulações, mobilizações e lutas deverão continuar para questionar, enfrentar e resistir contra essas hostilidades e propostas ameaçadoras do próximo governo, que tem se manifestado claramente contra os interesses e direitos indígenas. 

Não concordamos com as falas preconceituosas e abusivas do presidente eleito contra nossas famílias, comunidades e etnias. Sentimos nos ofendidos e agredidos, sendo tratados e comparados com “animais em zoológicos” conforme declarou recentemente. Em outra oportunidade o presidente eleito teria declarado que em seu governo, “índio não terá mais um centímetro de terra”. Esse comportamento agressivo, polêmico e ameaçador, em nosso entendimento são atitudes preconceituosas e inadequadas e sinalizam como seremos tratados no mandato de Bolsonaro.

Repudiamos com veemência as seguidas declarações de intolerância, ódio e desprezo de Jair Bolsonaro contra povos indígenas- amplamente divulgadas nos veículos da imprensa brasileira. Essas declarações são “munição” para que setores vinculados aos ruralistas (agronegócio), mineração e madeireiros, se sintam mais amparados e motivados para continuarem a criminalizar, perseguir, prender e assassinar lideranças indígenas no País. Isso é extremamente grave e pode ser entendido como “incitação ao ódio” e uma “ordem” pra matar e exterminar índios impunemente”, tendo como motivação as disputas e conflitos pela terra e os bens da natureza. 

Denunciamos o sucateamento intencional e programático da FUNAI, deixando as terras indígenas desprotegidas e ameaçadas e invadidas por fazendeiros, madeireiros, mineradoras, arrendatários e outros. É inaceitável que os indígenas brasileiros, que nos últimos 518 vem sendo vitimados pelas grilagens, invasões e esbulhos de suas terras tradicionais, não tenha seus direitos territoriais respeitados, protegidos e garantidos pelo Estado Brasileiro. Denunciamos ainda que as autoridades brasileiras sejam incapazes, ineficientes e desinteressadas para investigar, julgar e punir as pessoas acusadas de ameaçar e assassinar indígenas no Brasil.

Não concordamos com as propostas de legalização de arrendamentos e uso de nossas terras por invasores e ruralistas, além da ilegalidade e crime ambiental, o arrendamento de terras indígenas proposto por Bolsonaro poderá causar e agravar mais divisões e conflitos internos nas aldeias. A proposta ainda afronta e agride diretamente a Constituição Federal em seu Art. 231, que afirma: “as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis e os direitos dos indígenas sobre elas são imprescritíveis”, e portanto não podem ser vendidas, arrendadas ou exploradas por terceiros.

Neste ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos, continuaremos insistindo na luta pela garantia e manutenção de direitos indígenas consagrados na CF de 88, especialmente nossos territórios, saúde, educação, meio ambiente e produção agroecológica e saudáveis. Não podemos concordar com retrocessos e retirada de direitos. 

Lembramos que logo após a proclamação pelo TSE dos resultados das urnas no Segundo Turno das Eleições, o presidente eleito Jair Bolsonaro discursou com um exemplar da Bíblia Sagrada na mão e a Constituição Federal na outra, prometendo o cumprir a CF de 88 e seguir os “princípios cristãos”. Nesse sentido exigimos que o presidente no seu mandato cumpra a Constituição Federal conforme prometeu.

É inaceitável o jogo de empurra da equipe de transição do governo eleito com a Fundação Nacional do Índio-FUNAI, sucateada, abandonada e perseguida nos últimos anos pela bancada ruralista, analisamos que ainda é incerta e imprevisível a situação do órgão indigenista a partir de janeiro. Exigimos que a FUNAI continue vinculada ao Ministério da Justiça. E não aceitamos que suas atribuições e funções sejam assumidas pelo Ministério da Agricultura, que historicamente tem sido contrária as demarcações de terras indígenas. 

É extremamente grave a intenção de Jair Bolsonaro de dificultar e impedir a atuação das ONGs indigenistas e ambientalistas no país. O proposito de reprimir o ativismo ambientalista e indigenista, significa uma atitude de violência, que fere nossa autonomia, dignidade e direito de organização. Entendemos que estamos sendo assediadas e chantageadas por um governo de extrema direita que despreza valores humanos, agride nossa consciência e pensamento, nega a pluralidade de ideias, viola nosso direito de livre expressão e manifestação e ameaça a democracia.

Questionamos as deficiências e desprezo do Programa “Mais Médicos”, provocado pela retirada dos Médicos cubanos do Programa, fato que gerou um déficit e insuficiência no atendimento à saúde indígena nas aldeias. Cobramos com urgência o preenchimento das mais de oito mil vagas deixadas pelos Médicos cubanos.

Neste momento milhares de Indígenas estão sentindo a falta de médicos nas aldeias, pois sem eles o atendimento que já era deficiente está piorando. De acordo com a legislação brasileira, as politicas públicas de saúde devem ser garantidas e mantidas pelo Estado Brasileiro. “A Saúde é Direito do Cidadão e um Dever do Estado”.

Debatemos e rejeitamos ainda as mudanças propostas para Educação no governo Bolsonaro, por exemplo; o plano de privatizações do sistema de Educação e as cobranças de mensalidades nas Universidades Públicas. É inaceitável ainda os cortes das bolsas permanências e auxílio moradia dos alunos indígenas e quilombolas. 

Da mesma forma questionamos as mudanças implementadas a partir da reforma da Previdência Social, que alegando déficit orçamentário fala em mudanças no regime de aposentadorias e outros benefícios previdenciários. Na verdade essas medidas propõe a retirada de direitos sociais dos idosos, mulheres, crianças e dos trabalhadores em geral. É inaceitável que direitos fundamentais da sociedade estejam sendo suprimidos aumentando a idade de homens mulheres para se aposentar; tudo para beneficiar e atender as demandas das empresas e do mercado.

Exigimos que o governo brasileiro observe, respeite e cumpra a Constituição Federal, bem como a legislação e tratados internacionais que o Brasil assinou e é signatário. São inadmissíveis as propostas de integração dos diversos povos indígenas à sociedade nacional. Cabe o respeito à autonomia, à liberdade e aos direitos dos povos indígenas de decidirem sobre suas vidas e destino. 

A questão das relações políticas, sociais e culturais dos indígenas com a sociedade nacional é um processo que não pode acontecer mediante ameaças, violências e pressões. Exigimos que Estado respeite nossas culturas, modos de vida e tradições. O protocolo de consulta, livre e informada garantidos na Convenção 169 da OIT devem ser respeitadas e efetivadas por governos e empresas em todos os processos e empreendimentos que ameaçam e afetam nossos territórios e comunidades. 

Dessa forma não concordamos com implantação de grandes projetos de monoculturas afetam nossos territórios e aldeias. Ressaltamos que existem centenas de empreendimentos de eucaliptos, cana, soja, milho e outros grãos planejados e sendo implementados no entorno e dentro dos territórios indígenas do estado do Tocantins pelo Programa Matopiba.  Ainda existem rodovias, hidrelétricas e hidrovias nos rios Tocantins e Araguaia planejados pela iniciativa privada com apoio dos governos. 

Finalmente informamos que continuaremos mobilizados e unidos em defesa de nossos territórios. Juntos com aliados nacionais e internacionais continuaremos cobrando do governo brasileiro o respeito e o cumprimento das leis e a efetivação de nossos direitos constitucionais. 

Assinam esse documento os povos:

Apinajé

Krahô

Xerente

Awá-Canoeiro

Krahô-Kanela

Javaé

Krahô Takaywra

Fonte: https://racismoambiental.net.br/2018/12/11/documento-final-da-assembleia-dos-povos-indigenas-de-tocantins/

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