São Gabriel da Cachoeira-AM, 27 de março de 2019.

Da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) para o Brasil

A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, Órgão representativo dos povos e do movimento indígena da região do Rio Negro, situada no extremo noroeste do estado do Amazonas, que inclui os municípios de Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira, na tríplice fronteira (Brasil-Colômbia-Venezuela), considerando a conquista da III Conferência Nacional de Saúde, que aprova a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, vem, por meio desta carta, se manifestar sobre a proposta do governo federal de municipalizar a saúde dos povos indígenas.

Considerando a Portaria GM/MS nº 70, de 20 de janeiro de 2004, que estabelece as diretrizes do modelo de gestão da saúde indígena, no que se refere à coordenação, normatização, planejamento e execução das ações de atenção à saúde dos povos indígenas, observados os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS.

Considerando a Lei 9.836/1999, conhecida como Lei Arouca, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, instituindo, assim, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena como parte integrante do Sistema Único de Saúde;

Considerando, segundo a Lei 9.836/1999, que cabe à União, com seus recursos próprios, financiar o custeio e a execução das ações do Subsistema (art. 19-C da Lei Arouca) e complementarmente os Estados, municípios, outras instituições governamentais e não-governamentais (art.19-E);

Considerando que a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, em 2010, que tem por finalidade gerir o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena com a responsabilidade de promover ações e serviços de saúde voltados para o atendimento integral das populações indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, foi uma conquista do movimento indígena brasileiro;

Considerando os cidadãos indígenas do país que têm o direito Constitucional a políticas públicas que reconheçam as suas especificidades, isto inclui a atenção diferenciada à sua saúde, que deve, por lei, ser garantida pelo Governo Federal, e deve contemplar adequações nas formas de abordagem da comunidade pelas equipes, e o reconhecimento da interface com as medicinas tradicionais indígenas;

Considerando a diversidade e complexidade de situações que implicam na gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, que, obrigatoriamente, deve levar em consideração a realidade local, as especificidades culturais dos povos indígenas, o perfil epidemiológico, a organização social e a vulnerabilidade destes povos, uma vez que o modelo a ser adotado deve pautar-se por uma abordagem diferenciada e integral, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional (art.19-G da Lei Arouca);

Considerando que a atenção básica à saúde indígena exige uma gestão efetiva no nível distrital, que, por sua vez, possui escala maior que o território municipal devido à distribuição da população indígena que não guarda relação com limites municipais e estaduais, uma vez que os territórios indígenas, muitos deles, extrapolam os limites dos entes subnacionais. A atenção à saúde indígena também exige um nível de capacidade de gestão que dificilmente está presente em todos os municípios onde vivem a quase totalidade das comunidades indígenas. Em muitos casos, há conflitos sociais que inviabilizam a gestão municipal mesmo onde existe capacidade;

Considerando que os DSEIs foram definidos com base em critérios técnico-operacionais; organização social das comunidades; dispersão geográfica; história de contato e ocupação dos territórios; perfil epidemiológico e relações interetnicas, definindo, desta maneira, a área de abrangência destas unidades, sob a qual se constitui a responsabilidade sanitária;

Considerando que o controle social e técnico do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena se dão através da participação social nos Conselho Local Saúde Indígena, Conselhos Distritais de Saúde Indígena – CONDISI, Comissão Intersetorial de Saúde Indígena – CISI, Fórum Permanente dos Presidentes dos Conselhos Distritais e Conferência de Saúde Indígena, e Conselho Nacional de Saúde;

Considerando que o processo de autonomia dos DSEI (descentralização com responsabilidade) se iniciou a partir da criação da SESAI – de forma consensuada entre gestores, técnicos e controle social indígena, no entanto, ainda não consolidado ou concluso – se configura em uma estratégia fundamental para o fortalecimento da gestão responsável e transparente da saúde indígena em cada distrito sanitário. Para isso, faz-se necessário que o Ministério da Saúde promova o fortalecimento da SESAI e dos DSEI e, ao mesmo tempo, implemente medidas de gestão e controle que visem consolidar a autonomia dos DSEI e sua capacidade gerencial.

Considerando que a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena dentro do Ministério da Saúde, órgão responsável pela saúde indígena para exercer competências de gestão e cooperação técnica para a melhoria continuada e sustentável da saúde indígena, foi fruto de inúmeras mobilizações e articulações por todo o Brasil por parte das representações dos povos indígenas que clamavam por uma saúde indígena, de fato, diferenciada, de qualidade e de responsabilidade da União (Ministério da Saúde).

A FOIRN vem ao público manifestar-se contrária à municipalização da política de saúde indígena que o atual governo federal está propondo atualmente. Ademais, também se manifesta contrária a qualquer possibilidade de extinção da SESAI.

Muitas lutas dos povos e organizações indígenas foram travadas para criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e da SESAI, conjuntamente com seus parceiros indigenistas. O resultado dessa luta e de conquistas históricas não devem sofrer quaisquer retrocessos, seja por motivações políticas, de interesse partidário ou religioso.

Por fim, a FOIRN reitera a necessidade do Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde, implementar esforços no sentido de (i) fortalecer a atuação da SESAI, (ii) garantir a continuidade do processo de autonomia distrital, (iii) aprimorar os mecanismos de escolha dos gestores distritais, (iv) ofertar ferramentas e subsídios para uma gestão mais eficiente e transparente em nível distrital e nacional, e (v) garantir o pleno exercício do controle social na saúde indígena.

 

Fonte: https://racismoambiental.net.br/2019/03/27/nota-da-federacao-das-organizacoes-indigenas-do-rio-negro-foirn-contra-a-municipalizacao-da-saude-indigena-2/

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