Paulo Afonso - Bahia, 14 de novembro de 1985

De José Karajá para João

Prezado João!

      Vou tentar dar algumas informações que podem ajudar na compreenção do processo que envolve a demarcação do território Pankararé.
      O trabalho da Funai em fevereiro deste ano já começou errado, pois havia um acordo entre índios e posseiros de quando fosse se dar o processo de demarcação haveria representantes de ambas as partes. Isto não foi feito. O Orizon, tecnico do Funai que veio realizar o serviço, não procurou saber da caminhada que já havia sido feita para a definição dos limites da reserva, além de não ser nem um pouco observador. Com isto, foi levado por caminhos que extrapolavam o acordo feito entre índios e posseiros. Por trás disto, havia uma luta pela liderança do grupo, travada entre Lelo, atual cacique e filho de Angelo, e Afonso que desejava a qualquer custo a cacicagem. Como a demarcação dos índios foi comandada por Lelo, Afonso conduzio a comunidade a ampliar os limites e assim barganhar uma fatia maior para a reserva. Me parece que Orizon não percebeu isto e foi instrumentalizado.
       O erro continuou quando Francisco, outro funcionário que veio fazer o levantamento das benfeitorias existentes, o fez de maneira tímida e sem a presença dos proprietarios. Isto num “clima de tensão já existente, que não permitio uma visão global das benfeitorias como aguadas e tanques que tem muito valor aqui.
       O STR de Glória e Paulo Afonso aproveitaram ao maxímo esta cagada da Funai e foram denunciar até em Salvador que a Funai tinha triplicado a area e não respeitado as negociações que “anteriormente foram feitas. Aproveitando-se das denuncias e da omissão da Funai que sequer falava de indenizações, provocaram todas as violências que você já tem conhecimento.
       Uma coisa ficou evidente aí. Não era a questão fundiária que provocava tudo isto e sim o problema étnico. Era impossivel se conceber uma reserva indígena quando no fundo o sindicato sequer admitia que os caboclos fossem índios. A queima do Poró foi a maior prova disto.
       Com as denuncias da Igreja e entidades de apoio, o Gerson veio a região e na casa do Bisbo, D. Aloísio Penna, definiu-se que a sulução seria um grupo de trabalho para avaliar as necessidades de ambas as partes e tentar definir uma area que atendesse as reinvidicações de ambos os grupos.
       Depois de duas faltas, por parte da Funai, o grupo finalmente conseguio se reunir e iniciar junto a índios e posseiros um processo de negociação. Inicialmente nos reunimos com as partes em separado, tentando ouvir suas reinvidicações, para em seguida fazer uma grande reunião conjunta. O que estava em discussão era a area da reserva e a area do brejo. Na area da x reserva os índios reinvidicavam a madeira,lenha,coleta de frutas e mel e um pouco de caça. Os posseiros reinvidicavam aí, area para criatório e pequenas roças, na região próxima ao Brejo.
       Depois de does dias de discussões e consultas às respectivas bases, chegamos ao termo de acordo que voce tem. Ao meu ver em termos de limites de area, não podemos fazer melhor. Os índios cederam algumas areas em troca de 3 poços artezianos e a reserva cercada. Os posseiros ganharam o direito de permanecer com suas roças no Brejo, além da area que resta para seu criatório. A area da reserva tem algumas manchas de solo que se prestariam para a agricultura, o dificil é agua. A região de caça continua sendo o raso da Catarina, apesar da criação da Estação da SEMA. Existo na area da reserva aproximadamente 5 mil caprinos, no máximo. Os posseiros manipulam estes dados, mas esquecem que seus vaqueiros são os proprios índios e estes conhecem o rebanho melhor que o proprio dono. Gado tem muito pouco.
       A demora para a execução do acordo, colocou em cheque os limites estabelecidos. Eu pessoalmente acho que a insegurança tanto da parte de índios como de posseiros, aguça ainda mais a tensão.
       Quando consegui-se finalmente condições para executar a demarcação, os posseiros atrapalharam o trabalho argumentando que os limites do mapa não correspondiam ao estabelecido em acordo. Na verdade ouve confusão de ambas as partes, pois, todo o acordo foi feito sobre o mapa e tantos índios como posseiros não estavam acostumados a ler mapas. Mas a argumentação deles me parece fragil porque neste local que eles questionam foram derrubados marcos e placas, portanto eles sabiam muito bem de onde falavam quando fizeram o acordo. Acho que eles não querem que haja demarcação antes das indenizações.
       Nestes dias estiveram aqui o Luis Antonio da Funai de BSB e Omar do INTERBA. Vieram para tentar tirar as duvidas e encaminhar a demarcação. O Luis teve o azar de sair com uma portaria do Alvaro e quando chegou aqui já tinha como presidente Apoena. Uma antropologa que o acompanhou, Demarquet, não veio por problemas de saude, ficou em Salvador. Ambos argumentaram que não poderiam definir as coisas por falta de verbas e reunir de novo para não fazer seria furado, com o que eu concordo. Definiu-se que na primeira semana de dezembro se tentaria de novo uma reunião e até lá tanto INTERBa como FUNAI e INCRA já devem ter alocado recursos paefetivar a demarcação e indenização. Decidimos até que o levantamento das benfeitorias sera feito pelo INCRA até esta data, o que facilitária as negociações.
       Penso que as relações entre índios e posseiros no Brejo são bastante complexas. A atuação do Estado no Brejo deveria se dar de maneira objetiva e decisiva, pois o adiamento de xxxxx qualquer solução é motivo para recuos. Acho que não só os políticos do Glória estão interesssados no conflito. Tem mais gente.
       Acho fundamental manter os limites do acordo, assim como a imediata indenização dos posseiros e efetiva demarcação. Se não houver alguem com peito para executar estas medidas, índios e posseiros continuarão a ser instrumento político de interesses escusos.
      Um abração na familia!

                                                                    

                                                                                     José Karajá

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-contendo-informacoes-referente-remarcacao-do-territorio-pankarare

Original: 1985.11.14 De José Karajá para João

CARTAS RELACIONADAS