Manaus, 08 de março de 2013.

Da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) para o Brasil

Situação de criança indígena Matis internada em Manaus é consequência do descaso na saúde indígena 

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), organização que representa, e é a principal articuladora dos povos indígenas da Amazônia Brasileira, criada para defender, promover, ampliar e lutar por direitos destes povos, vem a público se pronunciar sobre o episódio envolvendo uma criança indígena do Povo Matis, que encontra-se hospitalizada há seis meses em Manaus. 

Segundo o jornal “A crítica”, edição do dia 5 de março de 2013, a criança indígena teria sofrido tentativa de infanticídio por parte da própria mãe. De acordo com a matéria, o bebê (de apenas seis meses), natural do município de Atalaia do Norte (AM), teve o quadro de saúde agravado, que segundo informações médicas, a mãe teria contribuído para o agravamento da saúde da criança.  

O caso foi comunicado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e, por conseguinte, à Polícia Federal, para que as investigações continuem.   

A COIAB entende que é necessário que se faça uma análise deste fato a partir do ponto de vista antropológico e cultural. Aquilo que se denomina infanticídio pelos não- indígenas foi e ainda é uma prática regular entre alguns povos indígenas, contudo, são de casos isolados, que ocorrem basicamente em locais onde há pouco contato com a sociedade envolvente.   

Este assunto retrata o problema da decadência do atendimento e o sucateamento da infraestrutura da saúde indígena. Os povos e lideranças indígenas sempre denunciaram este problema que vai desde a ausência de materiais básicos, há medicamentos, meios de transporte e combustível nos postos de atendimento nas Terras Indígenas. Além do que, a formação de agentes indígenas de saúde caminha em ritmo lento, e que a capacitação dos servidores não-índios permanece insatisfatória. Os problemas relacionados à gestão dos recursos destinados a saúde indígena geram uma situação calamitosa que há muito tempo é denunciada pelos indígenas.  

Por conta da “omissão do Governo Federal”, o “infanticídio” ocorre todos os dias para marubos, korubos, mayorunas, matis, kulinas…, que vivem em áreas isoladas, bem como para muras, saterés, kokamas, tikunas, tukanos, “que estão à míngua” nas cidades, à espera de ajuda.   

  A situação é caótica para os povos indígenas do Vale do Javari, região de onde veio a criança que está internada na capital amazonense. Os números divulgados por instituições como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) revela a redução drástica do número de indígenas na região, principalmente por conta da mortalidade infantil.   

Unidades responsáveis pelo atendimento aos indígenas como os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e as Casas de Saúde Indígena (Casai), estão, na sua maioria, em estado de abandono. Faltam médicos, equipamentos, transportes, medicamento e estrutura, sem falar na superlotação e nos desvios de recursos.  

Compromissada em defender os direitos dos povos indígenas, a COAIB exige que sejam tomadas atitudes por parte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), em defesa da criança indígena internada em Manaus, da mãe da criança e de todos os povos indígenas que, de uma ou forma ou de outra, são vítimas desses desmandos em todo o País.   

Temos que ter em mente que é necessário que as autoridade competentes, ao em vez de se prender a supostos casos isolados para punir mãe que sequer consegue entender o que estão fazendo com o filho, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público e a Polícia Federal deveriam investigar os DSEIs, as Casais, e tomar as providencias necessárias para garantir o cumprimento da legislação nacional, no que diz respeito a garantir os direitos dos povos indígenas.  

A COIAB não compactua com a forma de atendimento na saúde indígena que segue orientações da SESAI e do Ministério da Saúde. Temos lutado de forma incessante pela participação plena dos indígenas na tomada de decisões, que vão desde a implementação de políticas e ações, a indicações dos coordenadores dos DSEIs.  

Proporcionar serviços para uma saúde de qualidade é dever do Estado e um direito garantido em lei às pessoas que vivem neste País.  

Estamos amparados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas e pela Constituição de 1988. Exigimos respeito a saúde dos povos indígenas.  

 

Sonia Guajajara

Vice Coordenadora COIAB

 

Fonte:

https://pib.socioambiental.org/pt/Not%c3%adcias?id=125174

 

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