Guarapuava - Paraná

Das Mulheres Indígenas para o Brasil

Guarapuava/PR, 20 de dezembro de 2012.

MANIFESTO DAS MULHERES INDÍGENAS

Nós Mulheres Indígenas e algumas lideranças, reunidas no Seminário Sul Brasileiro de Mulheres Indígenas, No Centro de Formação Don Juan Diego, Guarapuava/PR, de 18 a 20 de dezembro de 2012, vimos expor nossas preocupações sobre as questões que afetam nossos Povos e Comunidades Indígenas, e ao mesmo tempo propor formas, políticas e providências por parte das instituições de Estado, esperando que as autoridades, gestores públicos e todos aqueles e aquelas envolvidos nas questões a seguir expostas, olhem para os problemas graves enfrentados por nós, que nos colocam em situação de extrema vulnerabilidade e entre os grupos mais pobres dentre os pobres deste País. Nossas comunidades já não suportam mais tanto abandono e descaso por parte do Estado Brasileiro, que promove uma corrida contra os direitos indígenas em todos os poderes, na medida em que as políticas ofertadas são de péssima qualidade, em especial nas áreas de educação, saúde e proteção de direitos humanos. O Estado Brasileiro nos trata como se fôssemos mendigos que recebem apenas migalhas, sujeitos sem direitos, uma população indesejada que quando não é acusada de ser um entrave ao progresso, é jogada à margem das decisões que lhes dizem respeito, por isso e pelo que estamos vivenciando no interior dos nossos territórios é que decidimos:

1-      As Mulheres Indígenas solicitam o apoio para a realização imediata de uma Assembléia Nacional do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas – CONAMI, que esteve em mãos de poucas, fechado para muitas e não contribui para o avanço das políticas de proteção dos direitos das Mulheres Indígenas;

2-      Apoio das instituições para a realização do II Seminário Sul Brasileiro de Mulheres e lideranças  Indígenas, com presença de um maior número de pessoas, em abril/maio de 2013;

3-      Que a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul-ARPIN-SUL, Secretaria Especial de Saúde Indígena-SESAI e Conselho Distrital de Saúde Indígena-CONDISI,  dividam equitativamente as vagas para a Conferência Nacional de Saúde Indígena, a fim de assegurar a participação das Mulheres Indígenas da Região Sul, que sempre são discriminadas sem oportunidade de participação em instâncias deliberativas e consultivas;

4-      Que a FUNAI, através das Coordenações Regionais e Coordenações Técnicas Locais,  e as demais instituições, apoiem o movimento de Mulheres da região Sul, para que estas possam se organizar e fortalecer seus direitos;

5-      Entendendo que as Mulheres Indígenas estão se organizando no intuito de ajudar as lideranças indígenas, e contribuir na busca de solução para os problemas enfrentados, e juntos poderem unir forças para exigir a proteção, a promoção e o respeito aos seus direitos, estas, solicitam o apoio das lideranças indígenas de base para assegurar sua participação nas discussões de políticas sociais que dizem respeito as comunidades Indígenas, em todas as esferas de governo e no interior das próprias comunidades.

6-      As Mulheres Indígenas, expressaram grande preocupação em relação à política interna nas comunidades, em especial as Kaingáng, no que diz respeito aos conflitos internos onde as mulheres, crianças, jovens e idosos são os que mais sofrem. Falaram especialmente da questão das transferências e expulsão das famílias de suas casas e de seus territórios, o que acaba jogando os mesmos em acampamentos de beira de estrada, nas periferias das cidades, onde muitos jovens acabam caindo no alcoolismo, drogas e prostituição sem perspectiva de sobrevivência.

7-      As Mulheres solicitam  providências rigorosas por parte do Ministério Público Federal e demais autoridades no sentido de garantir a integridade física das famílias indígenas e pensar formas alternativas de punição, em conjunto com as lideranças indígenas, que não seja a transferência e expulsão, e nos casos em que seja inevitável, apenas o autor de possíveis crimes seja transferido e não a família toda que nada tem a ver com o caso e acaba sendo punida, em especial as mulheres, crianças, jovens e idosos. Falaram sobre a insegurança das famílias em investir em moradias e na melhora da qualidade de vida de suas famílias dentro das terras indígenas, porque a qualquer momento podem ser expulsos e saírem sem nenhum direito de levarem consigo os seus bens.

8-      As Mulheres Indígenas solicitam providências por parte das autoridades (FUNAI, MPF dentre outros), no sentido de garantir a efetiva proteção às comunidades indígenas em período eleitoral, onde muitos caciques obrigam os eleitores indígenas a votarem em seus candidatos, não respeitando o direito democrático ao voto individual e secreto a que todo o cidadão faz jus. A interferência da política externa na política interna tem sido motivo de graves conflitos e violação de direitos humanos no interior das terras indígenas.

9-      As Mulheres não suportam mais o tipo de liderança que massacra suas comunidades, querem lideres que respeitem o seu povo e que seja amigo e parceiro para a solução dos problemas.

10-   As Mulheres Indígenas solicitam que lideranças presas por cometerem abuso de todas as formas contra as comunidades e contra o patrimônio indígena, sejam rigorosamente punidos na forma da lei, e que a Procuradoria Federal e da Advocacia Geral da União, não atuem na defesa desse tipo de crime e se limite a cumprir com seu papel de defender apenas direitos coletivos e não individuais, porque entendem que além de essas “lideranças” violarem gravemente os direitos humanos das comunidades ainda tem o privilégio de contar com a defesa da União através das Procuradorias Federais da FUNAI.

11-   As Mulheres Indígenas solicitam providências no sentido de que as instituições de governo, em especial do governo Federal, em conjunto com as lideranças indígenas, procurem alternativas de sobrevivência onde existem arrendamento de terras indígenas, já que esta ação restringe o usufruto da própria comunidade sobre um patrimônio coletivo, deixando as mesmas cada vez mais dependentes de cestas básicas, enquanto os não índios é que usufruem deste direito de forma ilegal.

12-   As Mulheres Indígenas reivindicam a proteção integral dos direitos das trabalhadoras Indígenas em agroindústrias e qualquer outra ocupação fora dos territórios indígenas, como membros de Povos com especificidades que exigem um tratamento especial, neste sentido, que o Ministério Público do Trabalho fiscalize rigorosamente a violação dos direitos dessas trabalhadoras.

13-   As Mulheres Indígenas não permitirão nenhum tipo de retaliação a sua atuação no sentido de buscar se organizar para somar forças com as lideranças indígenas e procurar solução para os problemas de suas comunidades. O Povo que mais respeita e insere as mulheres nos espaços internos é o Povo Indígena Xokleng, que se mostra mais democrático e respeitoso com as mulheres.

14-   Que os Estados, através das Secretarias Estaduais de Educação, definam políticas mais eficazes  para as escolas indígenas que enfrentam sérios problemas. Assim, também as secretarias estaduais e municipais de infraestrutura e outras, melhorem os acessos para e no interior dos territórios indígenas.

15-   Garantir que a segurança alimentar nas escolas seja adequada  e de qualidade de acordo com os hábitos alimentares de cada comunidade.

16-   Que as Secretarias Estaduais de Educação, Ministério da Educação e Secretarias Municipais de Educação, promovam, em caráter de urgência, cursos de formação e capacitação de professores bilíngues (falantes) e professores indígenas (não falantes), já que atualmente estão sendo contratados professores “bilíngues” que ministram aulas em português.

17-   Que as Universidades que não possuem Termo de Cooperação com a FUNAI, para apoio aos estudantes indígenas, busquem fazê-lo, ou criem políticas específicas de acesso e permanência dos estudantes indígenas nas Universidades de acordo com a Lei 12.416/2011.

18-   Que a FUNAI, em conjunto com as Universidades e lideranças indígenas, promovam um rigoroso acompanhamento das inscrições para os vestibulares, mestrados e doutorados destinados aos Povos  indígenas, tendo em vista as fraudes apuradas neste tipo de política conquistada pelos Povos Indígenas.

19-   Que a Secretaria Especial de Saúde Indígena, através dos Distritos Especiais de Saúde Indígena e dos Polos Base, dê assistência integral às famílias indígenas que residem fora das terras indígenas, através de cadastro realizado em conjunto com as lideranças, que na maioria das vezes residem fora por conta dos conflitos internos nas comunidades e são discriminados por isso, tendo negado o seu direito a assistência a saúde. Neste sentido, as Mulheres Indígenas solicitam a atuação do Ministério Público Federal na defesa do direito das famílias indígenas.

20-   Que as lideranças indígenas e familiares acompanhem de perto a situação escolar dos estudantes indígenas nas universidades, no sentido de incentivá-los a prosseguir e melhorar cada vez mais, e no caso daqueles que não residem em terras indígenas que este acompanhamento seja feito pela FUNAI.

21-   Que as lideranças permitam a atuação de órgãos de segurança no interior das comunidades indígenas, a fim de contribuir para evitar a entrada de armamento, drogas e agressão as comunidades indígenas, assim como a atuação dos conselhos tutelares para assegurar o respeito, a integridade e a proteção integral das crianças. Neste sentido que a FUNAI colabore com os órgãos mantendo diálogo com as lideranças a fim de ajudá-los a entender que isso apenas ajudará a manter a segurança no interior das comunidades indígenas.

22-   Que as instituições responsáveis, desenvolvam programas de prevenção ao alcoolismo e drogas no interior das terras indígenas, e que as lideranças colaborem no sentido de permitir o desenvolvimento de tais políticas.

23-   As Mulheres Indígenas solicitam que os órgãos de governo responsáveis pela oferta de políticas e programas para as comunidades indígenas(FUNAI, Governo do Estado do Paraná, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Governo do Estado de Santa Catarina, e Secretarias de Estado, Prefeituras Municipais que possuem Territórios Indígenas em sua jurisdição e suas Secretarias), implantem em caráter de urgência, e em conjunto com as comunidades e suas lideranças, ações que visem diminuir a miséria e a pobreza nas comunidades indígenas, tais como programas de produção alimentar, programas e projetos direcionadas ao público jovem e as Mulheres, no sentido de criar alternativas e melhoria na qualidade de vida no interior dos territórios indígenas.

24-   As Mulheres Indígenas questionaram o papel da Comissão Nacional de Política Indígenista – CNPI, onde desde a sua criação em 2007, são as mesmas pessoas, no caso kaingáng,  Xokleng e Guarani se quer sabem quem são os representantes e reivindicam a participação maior das Mulheres Indígenas. Assim como o papel da ARPIN-SUL, quem e o que representa, considerando que as bases não conhecem seu trabalho e querem um diálogo mais próximo.

25-   Que a FUNAI, busque mais projetos relacionados a produção de alimentos e de reflorestamento no interior das terras indígenas.

26-   As Mulheres Indígenas reivindicam cota de participação na ocupação de cargos dentro da FUNAI e da SESAI, assim como em qualquer órgão Estadual e Municipal que atua junto às comunidades indígenas.

27-   As Mulheres Indígenas solicitam que seja enviado para as Coordenações Técnicas Locais da FUNAI, o Plano Distrital de Saúde Indígena para que estas conheçam o seu conteúdo, já que a grande maioria não tiveram participação na elaboração do mesmo, quando da sua discussão e formulação nos Polos Base. 

28-   As Mulheres Xokleng, com o apoio das Mulheres Kaingáng e Guarani, reivindicam a ocupação da vaga aberta no CONDISI – Conselho Distrital de Saúde Indígena para o Povo Xokleng, já que a participação das mulheres indígenas nesse Conselho é mínima.

29-   Que o concurso público para a contratação de profissionais para saúde indígena aconteça e  garanta no edital cota de pelo menos 50% para os trabalhadores indígenas, assim como o fato de serem indígenas e os anos em que trabalham na saúde conte como pontos na prova de tíitulos a ser realizada. Assim mesmo, que o concurso também seja realizado para as atividades meio (administração e gestão do DSEI e dos Polos Base de Saúde Indígena), e não apenas a atividade fim. 

30-   As Mulheres, mães de estudantes indígenas, exigem o atendimento por parte da SESAI aos Universitários indígenas que vivem nas cidades, na medida em que os mesmos não contam com nenhum tipo de assistência na saúde, estando abandonados a própria sorte.

31-   Que o Ministério da Saúde, através da SESAI, disponibilize auxílio financeiro para os estudantes universitários indígenas e dos cursos técnicos da área da saúde (medicina, odontologia, farmácia, fisioterapia, terapia ocupacional, nutrição  e enfermagem), para aquisição de material e livros que tem custo elevado, muitas vezes obrigando os estudantes a abandonarem seus cursos por falta de condições financeiras.

32-   As Mulheres Indígenas da Terra Indígena Marrecas, Aldeia Alto Pinhal em Clevelândia/PR e da Terra Indígena Rio das Cobras (Aldeia Pinhal e Aldeia Lebre), com o apoio das demais, reivindicam a aquisição de veículo para atender a saúde indígena, na medida em que fazem quatro anos que esta comunidade não recebe nenhum veículo para este fim, estando em situação de total abandono por parte da SESAI, assim como reivindicam a construção imediata de uma nova unidade de saúde no interior da Terra Indígena, já que a atual estrutura não oferece condições mínimas de atendimento a comunidade. 

33-   Devido aos problemas de discriminação e preconceito enfrentados por alunos indígenas dentro das próprias escolas das aldeias, que os diretores das mesmas sejam pessoas de confiança da comunidade e da sua liderança, indígenas ou não, que compreendam e valorizem a diversidade indígena, que tenham formação independentemente de serem efetivos do Estado, considerando o exercício do direito a autonomia dos Povos Indígenas, assegurado em legislação interna e internacional.

34-   As Mulheres Indígenas solicitam apoio das instituições, governamentais ou não, para o resgate e a revitalização cultural dos Povos Indígenas, kaingang, Guarani e Xokleng  no que diz respeito inclusive a medicina tradicional e a culinária tradicional.

35-   Que as Universidades criem projetos de iniciação científica, especíifico para os estudantes indígenas em suas comunidades e que as horas de estagio sejam reconhecidas pelas Universidades.

36-   As Mulheres Indígenas questionam  o verdadeiro papel dos Conselhos de Caciques, já que nos últimos conflitos no Estado do Paraná, estes atuaram mais no sentido de fomentar os conflitos do que apaziguar ou mediar para que os mesmos não ocorressem, assim como solicitam a inclusão de mulheres indígenas em ditos conselhos.

37-   As Mulheres Indígenas apoiam a construção das casas de passagem para acolher as famílias indígenas que saem de seus territórios para as cidades, com o objetivo de vender seu artesanato, considerando que será um lugar que deixará as crianças indígenas menos vulneráveis e com mais segurança, agradecem as iniciativas já existentes e manifestam o desejo de participarem destas discussões de forma efetiva. Neste sentido, as mulheres Indígenas Xokleng reivindicam a construção de uma casa de passagem na cidade de Blumenau/SC.

38-   As Mulheres Indígenas solicitam que todos os órgãos de Estado, autoridades e demais responsáveis pelo provimento de políticas direcionadas aos Povos Indígenas e suas comunidades, observem e apliquem rigorosamente o contido na Convenção 169/OIT, em especial o seu artigo 6º, que dispõe sobre o direito a consulta, para o consentimento livre,  prévio e informado dos Povos Indígenas em todas as ações que lhes dizem respeito, assim como o direito a participação com as condições necessárias para tal asseguradas pelas instituições do Estado.

39-   As Mulheres Indígenas solicitam providências por parte da FUNAI e do MPF, no sentido de apurar a legalidade da presença de indígenas de outros países nas terras indígenas brasileiras, assim como de não indígenas tendo em vista que os mesmos trazem problemas e conflitos para dentro das comunidades indígenas, assim como tráfico e uso de drogas, alcoolismo e prostituição.

Estas são as reivindicações que fazem as Mulheres Indígenas, e mais uma vez reforçam a necessidade de que as instituições de governo em todas as esferas tenham presente a necessidade de inserção das mesmas em todas as discussões de planos, programas e políticas que dizem respeito às suas comunidades, assim como reforçam a solicitação de apoio para que as mesmas possam se organizar e fortalecer sua participação política em todas as instâncias e fóruns.

Mulheres Indígenas

 

Fonte: arquivo pessoal  do pesquisador Rafael Xucuru-Kariri

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