Santa Inês, Maranhão, 13 de setembro de 2003.
Carta aberta a sociedade brasileira e internacional
Nos representantes dos Povos indigenas no Estado do Maranhao, reunidos em Assembleia Geral de 10 a 14 de setembro, na cidade de santa Ines, MA, ao tomarmos conhecimento das varias e dramaticas situacoes em que se encontram muitos dos nossos parentes, e nos mesmos, queremos informar e denunciar publicamente quantos contribuem com o descaso, a violencia, as invasoes, omissao criminosa, a cumplicidade contra nossa vida.
Exigimos dos poderes publicos que a nossa indignacao e revolta se transforme em respeito e atendimento concretos aos nossos direitos.
Nesse sentido denunciamos o que vem ocorrendo:
1. Na Terra Indigena Alto Turiacu: extracao macica de madeira no norte da area, tendo como porta de entrada a cidade de Centro de Guilherme, onde e notoria a cumplicidade do prefeito local e do delegado de policia. So no ano de 2002, nesta regiao, foram apreendidos cerca de 3.000 metros cubicos de madeira. Todo ano constatam-se varias tentativas de ocupacao para colocar vastas extensoes de rocas por parte de dezenas de familias na regiao do Limao e Igarape do Sangue, no municipio de Ze Doca.
2. Na terra indigena Awa-Guaja: apesar da demarcacao fisica desta area no mes de fevereiro deste ano, as fazendas, as madeireiras e os posseiros permanecem dentro do territorio indigena, inclusive aumentando as manifestacoes de ameacas contra os indios Awa-Guaja e quantos apoiam a demarcacao. Sabe-se que por tras de tudo isso existe a interferencia dos representantes da agropecuaria Alto Turiacu, do grupo Schain-Cury, que ocupa uma area de 37.800 ha. Ao norte da area Awa-Guaja. Recentemente, tivemos informacoes que o proprio Posto Indigena Juriti, situado ao sul da area Awa-Guaja, foi atacado pela enesima vez por posseiros e segurancas de fazendeiros que ocupam a area indigena.
3. Na area indigena Caru: no mes de agosto, a regiao norte desta area, mais uma vez, foi objeto de invasao articulada por cerca de 50 familias. So a intervencao tempestiva da Policia Federal, conseguiu despejar os invasores. Entretanto, a acao originou um conflito armado em que um agente da Policia Federal foi ferido a bala. Isso comprova o alto grau de ousadia dos invasores.
4. Na area indigena Krikati: apesar de existir um plano de acao formal para indenizacao e regularizacao das familias que ainda ocupam a area Krikati, constata-se a lentidao com que esta se procedendo para efetivar o planejado, acarretando inseguranca e desgaste de toda ordem para aquele povo indigena.
5. Nas demais areas indigenas: apesar de estarem demarcadas e homologadas quase todas elas sao objeto de extracao de madeira, de exploracao ilegal da folha de jaborandi, de matanca de caca e outros. Alem disso, com o crescimento demografico dos povos indigenas no Estado, o alto nivel de degradacao ambiental, e no intuito, tambem, de corrigir distorcoes cometidas Aepoca da identificacao e demarcacao de algumas areas indigenas no centro sul do Estado, percebe-se a necessidade de ampliar algumas terras indigenas. Ha anos os Guajajara de Bacurizinho e Morro Branco, no municipio de Grajau, bem como os Canela da area Porquinhos, no municipio de Barra do Corda, vem reivindicando uma correcao territorial e ampliacao de suas terras, sem obterem significativos resultados.
6. No que tange Asaude, o quadro que emergiu, a partir das informacoes apresentadas e bastante caotico. Chamou a atencao, contudo, o que vem ocorrendo na regiao de Pindare -Alto Turiacu, onde a Associacao Pro-Vida, conveniada com a FUNASA tem a responsabilidade de cuidar da saude indigena na Regiao. Ouvimos relatos de negligencia e descaso de toda ordem por parte de funcionarios da Associacao que originaram ao menos 6 mortes de parentes nossos so neste ano de 2003. Foi feito um apelo para que o Ministerio da Saude nao delegue para outros, funcoes e obrigacoes constitucionais que ele proprio tem que cumprir.
7. No campo da educacao escolar indigena foram levantadas as omissoes e as contradicoes do governo do Estado do Maranhao, atraves da GDH ( Gerencia de Desenvolvimento Humano) a quem compete garantir o ensino fundamental em nossas areas. O nao cumprimento de acordos e promessas de cursos sistematicos para capacitar os nossos professores, a falta de construcao de escolas e que estas respondam as nossas necessidades culturais, a falta de um projeto global de politica educacional no Estado, a inexistencia de instrumentos e canais de consulta com os professores e liderancas indigenas para elaborar, implementar e fiscalizar as acoes educacionais em areas indigenas, a indefinicao e inseguranca quanto a remuneracao dos professores e muitas outras omissoes, fazem da educacao indigena, no Estado, algo marginal, o que nos envergonha e nos indigna.
Diante de tudo isso, sentimos a necessidade de sermos ouvidos e consultados. Sentimos indignacao suficiente para gritar e reivindicar respeito e atendimento aos nossos direitos. Queremos fazer tudo isso num clima de dialogo, de construcao coletiva e afirmativa com os poderes publicos, com o Governo Federal, com a Funai, com o Ministerio Publico Federal, com o Governo do estado do Maranhao e com todas aquelas instituicoes que se dispoem a colaborar no respeito e na pratica da justica, sem renunciar, entretanto, ao que temos de mais sagrado: a nossa autonomia e a nossa vida.
Coordenacao de Articulacao dos Povos e Organizacoes Indigenas do Maranhao – COAPIMA.
Com o apoio das Organizacoes Indigenas:
Articulacao dos Povos e Organizacoes Indigenas do Nordeste e Minas Gerais e Espirito Santo – APOINME;
Coordenacao das Organizacoes Indigenas da Amazonia Brasileira – COIAB e;
Wara Instituto Indigena Brasileiro.