São Paulo, 04 de julho de 1983.

De Álvaro Tukano para a Comissão Pró-Índio de São Paulo

Meus companheiros de luta da CPI-SP.           

           Estou voltando para minha terra – Rio Negro – Am. A minha volta é necessária, porque a luta indígena dentro do meu povo começara por volta de 1750 e até não dá para acreditar, porque o tempo de índio é diferente que o dominante. Mas, não tememos e cremos em nós mesmos, em nossos líderes que lutam calados, e aprendemos da história verbal muita coisa que não se pode ensina nos colégios de missionários salesianos.
           A luta do Índio de minha terra não é física, e sim, a pior – uma batalha que a civilização faz através dos textos escolares, com a ponta de lápis, enfim, é o indio que se inclina para uma vida de branco. É claro que, não somos contra o ensino. Somos contra o domínio de poucas pessoas, contra a perda de honra de nossos sacerdotes e o desvio de nossa juventude para uma vida desorientada.
           A presença de missionário branco é importante na região, porque, de fato são melhores que os fazendeiros, as multinacionais. Mas, mesmo assim, não se pode permitir quando estes respondem pelos interesses do Estado e da religião. Não se pode permitir quando certos missionários interferem à ordem social e política de uma aldeia, quando ajudam na moral e economicamente a certas pessoas obedientes às determinações deles.
           A verdade é simples: quando um chefe perde o poder ou seja, um conselho de uma aldeia é porque existe a interferência de um missionário. Por exemplo, só por causa de pessoas incompetentes a estar covivendo entre os índios, existe, portanto, brigas internas nas aldeias, entre os caciques e professores. Estas pessoas são algumas freiras, o padre Norberto Hohoncherer (que foi julgado no Tribunal Russell) que tem como escora ao Dom Arcebispo Dom Miguel Alagna, e este aos interesses do Estado.

No caso de minha aldeia – São Francisco, a 20 anos foi um palco de grandes reuniões de harmonia entre os indios. Mas, a partir de 1974, os mesmos missionários que nos ensinaram a ser cristãos e tudo mais, começaram a cavar as bases do meu pai e até que o destruiram depois do IV TRIBUNAL BERTRAND RUSSELL. O meu pai aguentou a briga durante três anos, mas ficou sendo esquecido pelos amigos e parentes que comiam bem nos grandes banquetes em nossa casa. Infelizmente, o padre Norberto conseguiu ajuda externa, abriu a estrada de 20 Km utilizando a mão de obra barata dos MAKU até chegar a uma nova missão que se chama NOVA FUNDAÇÃO. O pequeno rio CUCURA, tradicionalmente é a terra dos nossos ancestrais por parte de minha mãe, e os MAKU sempre foram pessoas que trabalharam junto com meu avô materno YUSÉ BHOHO e sempre fizeram grandes cerimônias até na década de 1960.
           O que esse padre está aprontando, está muito errado para o meu lado. Não posso permitir que um estrangeiro fique me obrigando a usar força dentro de minha terra. O fato de me ausentar de minha terra não significa de que a deixei definitivamente, mas porque de fato sempre houve força externa para corromper a moral do meu povo.
           Em resumo, realmente, estou desgastado. Os meus problemas não são resolvidos porque os inimigos não me deixam em paz. Aqui eu não sou feliz, porque a UNI, a FUNAI e outros pequenos problemas quando juntos me derrotam tranquilamente. Decidi voltar para minha terra, porque tenho que fazer avaliação da luta que vimos realizando.
           A CPI-SP deixo bem claro; a minha volta não significa de serei curado tão cedo de tantas preocupações. Estou indo para arranjar mais problemas para nós todos, porque temos que nos assumir na luta.

           Sempre,

ÁLVARO FERNANDES SAMPAIO – Doéthiro.

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/cartas-de-alvaro-tukano-ao-gtme-cedi-e-cpi-sp

Original: 1983.07.04 De Álvaro Tukano para a Comissão Pró-Índio de São Paulo

 

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