Brasília - Distrito Federal, 17 de dezembro de 1986

Do Povo Pataxó Hãhãhãe para o Ministro do Interior

Exmo. Sr.
RONALDO COSTA COUTO
Ministro do Interior

                Sr. Ministro,

         A comunidade indigena Pataxo Hã-Hã-Hãe vive clima de terror, insegurança e abandono por parte do órgão tutor. No dia 16.11 p.p. nossa área foi palco de guerra, quando mais de 50 homens mataram dois índios e feriram outros dois, usando o escudo da impunidade e conivência de autoridades, que conhecendo o clima de tensão existente não tomaram as providências necessárias, no sentido de proteger nossa integridade. 

                A situação em que nos encontramos não pode continuar, sob pena de se resolver o problema da terra com o extermínio do nosso povo, e que seria atribuido a todos aqueles que vêm contribuindo para que isso aconteça, por ação ou por omissão inclusive das autoridades municipais, estaduais e federais envolvidas.

                Para evitar que isto ocorra, é que vimos a presença de V. Exa., autoridade competente para sanar alguns de nossos problemas, solicitar imediato e urgente atendimento das seguintes reivindicações que inclusive, já foram feitas em outras oportunidades:

A – Quanto à violência e segurança, queremos: 

  1. a permanência da Polícia Federal na área pelo tempo necessário, no sentido de garantir nossa integridade física, uma vez vimos sofrendo constantes ataques por parte de pessoas ligadas aos fazendeiros que querem a qualquer custo a nossa terra;
  1. a imediata retirada da Polícia Militar da área, que nos vem ameaçando para que abandonemos a terra, inclusive prendendo e atirando dentro da área, intimidando a todos. O acampamento da Polícia Militar tem servido de esconderijo aos bandidos e de ponto de apoio para os pistoleiros que atuam na área indígena.
  1. o desarmamento daqueles que moram dentro dos 36.000 ha. de nossa área. Quase todos que trabalando em fazendas vizinhas ā ārea ocupada pelos indios, são simplesmente pistoleiros passando por trabalhadores rurais;
  1. que seja agilizada a apuração do envolvimento de fazendeiros e Polícia Militar no financiamento e fornecimento de armas aos 50 homens que assassinaram dois índios e deixaram dois feridos, no dia 16 de novembro.

B – Quanto à terra, queremos:

  1. a imediata ampliação da área de ocupação indigena pela via administrativa, abrangendo as aldeias “São Lucas”, “Panelão” e “Barretã”. A situação em que nos encontramos: somos 1.500 índios ocupando 1.100 ha. de terra, que não é o suficiente para plantações de subsistência; e não temos acesso à água potável. Essa situação contribue para aumentar o clima de tensão em que vivemos. Desde 1982 estamos confinados nessa pequena área, o que nos torna alvo fácil para as agressões que vimos sofrendo, inclusive com várias mortes e na iminência de ocorrerem Outros assassinatos;

  2. a intervenção junto ao Ministério da Agricultura, no sentido de impedir as negociações que vêm sendo feitas por um grupo de Índios, em nome da comunidade, com a CEPLAC, visando a nossa retirada da área. Não aceitamos nenhum tipo de negociação com terra fora dos nossos 36.000 ha.

C – Quanto à FUNAI, queremos:

  1. Que o órgão tutor ajude financeiramente a família de Marinalva Andrade da Silva, que foi baleada, e perdeu o marido no tiroteio do dia 16.11.86. Ela não tem condições de sustentar 3 filhos menores e ainda precisa de tratamento médico adequado pois continua com problemas no braço direito, atingido por 3 tiros dados pelo não-índio Helio Alves Ferreira, residente na área;
  2. a imediata indicação de funcionários que efetivamente permaneçam na área: um chefe de posto, enfermeiro, professores e outros, para garantir assistência e proteção à nossa comunidade, das agressões que vimos sofrendo;
  1. a garantia de condições para permanência da polícia federal na área, que reclama a falta de funcionários e alojamentos para os agentes;
  1. a cobertura, pela FUNAI, dos prejuízos sofridos pelos índios em decorrência do último conflito. Foram perdidas as roças pela ausência de segurança para a colheita, passada a época de plantação por falta de sementes e também de segurança.

                Senhor Ministro, o atendimento dessas reivindicações é o mínimo que se pode fazer para amenizar o sofrimento do nosso povo, que tanto padece por lutar por seus direitos. Mas temos a certeza que, quando o órgão tutor, que vem nos abandonando, e as autoridades competentes assumirem suas atribuições, nós viveremos em paz, sem conflitos, sem mortes e com a posse de nossa terra.

                Atenciosamente,

                Assinam abaixo.

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-dos-pataxo-ha-ha-hae-ao-ministro-costa-couto-exigindo-providencias-quanto

Original: 1986.12.17 Do Povo Pataxó Hãhãhãe para o Ministro do Interior

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