Posto Indígena Kumaruman - Oiapoque, AP, 27 de outubro de 1977

De Manoel Floriano Macial para a FUNAI

                Senhor Delegado Antonio Augusto Nogueira.

                Meu coração está triste e meu povo preocupado. Tudo tinha sido acertado por nós, índios, com a FUNAI em relação aos limites da reserva indígena do Uaçá. Os 5km à margem direita do rio Uaçá das nascentes a foz, foi o que pedimos ao Pai Grande dos índios. Nos prometeram mais do que isso: o lago Maruani. Muito bom. Agora chegam os homens da demarcação com um map[…] cheio de indecisão, com um tal de “ponto definido” que parece ser o igarapé do Cassiporé, aqui pertinho de nossas áreas de roças. Dêsse ponto às nascentes do rio Uaçá, o limite vai ficar na margem esquerda do rio e nós vamos perder tôda a reserva de madeira de leite que fica na margem direita dêsse rio, entre o igarapé do Cassiporé e o Igarapé do Chibé, lá no alto. Meu povo está preocupado. De onde vamos tirar madeira boa prá fazermos nossas canoas o esteio e tábuas para construirmos nossas casas? E o branco ao saber dêsse limite virá da Vila-Velha prá derrubar as árvores de madeira de lei e invadir o alto rio Uaçá prá matar as grandes traíras e as caças aí abundantes. Mais uma vez nós, os moradores, os donos da terra, não fomos consultados sôbre a escôlha dos limites que necessitamos prá viver nesta região que tem mais terra alagada que terra-firme. Nós esperamos que a FUNAI mandar vir alguém prá ve êsses limites junto com nós, escolher êsses limites com nós, mas não mandou. Vieram de avião e de avião tudo decidiram. E foi prá isso que vieram. Agora meu povo se sente enganado pela FUNAI e não se conformam nem se conformará de perder essa faixa de terra. Um grande número de índios veio ontem à noite prá mim mandar os homens da demarcação ir embora pois o limite assim êles não querem. Pedi calma a todos até haver uma resposta do Senhor a esta minha carta. Se for preciso ir até Brasília falar com o Pai Grande, que não está sabendo de nada disso, irei e falarei sôbre o que está acontecendo. Nosso povo não está contente e muitas famílias já falam que a FUNAI está querendo dar a terra pros branco e dizem ser melhor ir todos morar no lado francês, onde as autoridades de lá fizeram convite aos índios prá morar lá e prometeram muitas coisas a êles. Peço ao Senhor que tome uma providência a favor dos índios, urgente, pois o povo está muito descontente e ninguem vai poder acalmar. A terra tem que ser demarcada honestamente, de acôrdo com a vontade do índio e em seu benefício, como o Estatuto do Índio diz e não este acôrdo com vontade de certos funcionários da FUNAI e em benefício do branco. Aguardo a palavra do Senhor esperando que essa faixa de terra não seja dada ao branco prá não cusar a divisão do seu povo, sua descrença na FUNAI, ou mesmo sua fuga para o lado francês. Qualquer que sejam os acontecimentos ruins provenientes dessa mudança na demarcação que pedimos ano passado e que prejudica o índio, sejam sangrentos ou não, será culpa da FUNAI e eu tuxaua dos galibis guardarei uma mágoa enquanto viver. 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-del-funai2a-dr-sobre-os-limites-da-reserva-indigena-uaca

Original: 1977.10.27 De Manoel Floriano Macial para a FUNAI

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