Neste dia em que se inicia o 2º Fórum Social Mundial em Porto Alegre, nós, lideranças indígenas, representantes dos Povos Indígenas do Brasil articulados na Comissão Pós-Conferência, criada após a Marcha dos 500 Anos no litoral da Bahia, vimos através deste documento repudiar junto ao mundo as injustiças, massacres e todas as formas de violência que o governo brasileiro vem cometendo contra nós, indígenas. Prova disso foi que em 22 de abril de 2000, numa caminhada pacífica em Coroa Vermelha, que mostrava para o mundo a política de descaso e abandono do governo Fernando Henrique Cardoso para com os nossos direitos, nos deparamos com a Polícia Militar armada com metralhadoras e bombas, com a intenção de impedir a nossa manifestação podendo até nos matar. Como resultado dessa truculência temos até hoje parentes deficientes.
Como se não bastasse, o presidente FHC continua nos expulsando de nossas próprias terras, como é o exemplo do povo Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. E mais grave, está desrespeitando a Constituição Federal em seu art. 231, que garante aos povos indígenas a demarcação das terras que tradicionalmente ocupam, bem como seu usufruto exclusivo. Portanto, discordamos de todas as iniciativas que visem a compra de terras por governos estaduais, desconsiderando as terras tradicionais.
Mediante esta situação, viemos trazer ao Fórum Social Mundial as nossas propostas, visando um mundo mais justo e democrático, onde seja respeitada a diversidade étnica e cultural de todos os povos:
- Que as políticas dos governos respeitem a autonomia dos povos dentro de seus territórios tradicionais, reconhecendo suas culturas, crenças, costumes e tradições;
- Que os governos cumpram suas responsabilidades constitucionais, assegurando políticas sociais diferenciadas, com ampla participação dos povos indígenas em todas as suas etapas de discussão e implementação, evitando com isso a terceirização dos serviços nas áreas de saúde, educação, auto-sustentação, demarcação e proteção das terras indígenas. Para isso, os governos deverão garantir os recursos necessários em seus orçamentos;
- Que todos os governos ratifiquem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que normatiza as relações dos Estados Nacionais com os Povos Indígenas;
- Que o Congresso Nacional Brasileiro aprove a proposta de Estatuto dos Povos Indígenas apresentada pelas lideranças indígenas há mais de dez anos e reapresentada em 19 de abril de 2001;
- Que todos os governos reconheçam os povos indígenas ressurgidos e demarquem os seus territórios tradicionais;
- Que os governos realizem censos populacionais indígenas, para que o mundo saiba o número de povos, sua diversidade étnica e cultural e suas respectivas populações, sob o acompanhamento dos povos indígenas e suas organizações;
- Que o governo brasileiro indenize os povos indígenas pelos danos morais, físicos e culturais causados pela violência praticada pela Polícia Militar da Bahia durante as comemorações dos 500 anos e as vítimas das agressões;
- Que sejam apurados os crimes praticados contra lideranças e demais membros de comunidades e povos indígenas, punidos todos os responsáveis, assim como, sejam estabelecidos mecanismos de combate à violência e à impunidade;
- Que os governos sejam responsabilizados por genocídios e etnocídios cometidos contra os povos indígenas;
- A não construção de hidrovias, ferrovias, hidrelétricas, rodovias, quartéis e exploração turística que atinjam direta e/ou indiretamente territórios indígenas e suas populações e que causem danos sócio-ambientais;
- Que o governo brasileiro não implemente o projeto de Transposição do Rio São Francisco e outros, pois esse projeto causará a morte dos rios e de todas as populações que deles dependem, portanto deverá buscar outras alternativas que não causem impacto aos seres vivos;
- Que os governos façam a desintrusão (retirada dos invasores) imediata de todas as áreas indígenas, com indenização das benfeitorias feitas de boa-fé e garantia de reassentamento para os pequenos posseiros;
- Que os governos criem mecanismos de proteção e fiscalização dos recursos naturais, de conservação de seus ecossistemas e de sua biodiversidade, evitando a exploração indiscriminada dos conhecimentos tradicionais, suas águas, suas madeiras, seus animais e seus minérios.
Pretendemos contribuir, com estas propostas apresentadas ao II Fórum Social Mundial, na construção de um mundo de Justiça, Igualdade e Paz.
Comissão Indígena
– Joel Braz – Pataxó (BA)
– Antônio Pereira – Xukuru (PE)
– José Barbosa dos Santos – Xukuru de Ororubá (PE)
– Diná G. Patté – Xokleng (SC)
– Olímpio A. I. Guajajara (MA)
– Mariano W. Bobaté – Xavante (MT)
– Piná Tembé (PA)
– Lourdes Tapajós (PA)
– Maria José Gomes Marinheiro – Tumbalalá (BA)
– Manoel Karajá (TO)
– Débora Umutina (MT)
– Sílvia Umutina (MT)
– Eliel Rondon – Terena (MT)
– Gildo Terena (MT)
– Aurivan Santos Barros – Truká (PE)
– Dionito José de Souza – Makuxi (RR)
– Simeão Messias – Wapixana (RR)
– Lourenço Krikati (MA)
– Maninha Xukuru (AL)
– Luiz Titiá – Pataxó Hã Hã Hãe (BA)
– Leonardo Gonçalves – Guarani (SC)
– Bruno Xavante (MT)
Fonte: http://memoriafsm.org