Do Acampamento Terra Livre para o Brasil.

 Brasília, 29 de Abril de 2005.

Nós, as mais de 700 lideranças indígenas abaixo assinadas, representantes de 89 povos indígenas de todo o Brasil, reunidos em Brasília no Acampamento Terra Livre, entre os dias 25 e 29 de abril de 2005, consideramos esta mobilização a mais significativa realizada pelos povos indígenas do Brasil desde a triste comemoração dos 500 anos em Porto Seguro, no ano 2000. 

A presente mobilização consolidou uma aliança nacional entre dezenas de povos, organizações indígenas e entidades indigenistas, com o objetivo comum de defender e garantir a efetividade dos direitos indígenas no Brasil, o que renova a nossa esperança na conquista de dias melhores.

Vimos a seguir apresentar à sociedade brasileira, ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, os resultados das reuniões plenárias e audiências com autoridades realizadas durante esta mobilização nacional, em respeito aos 4 grandes eixos por nós reivindicados.

 

  1. Nova Política Indigenista

– a ausência da participação dos povos indígenas e de representantes da sociedade civil na definição da política indigenista resulta hoje em ineficiência das ações governamentais voltadas às populações indígenas;

– sabemos que a elaboração e implementação da política indigenista hoje é de competência de vários órgãos de Estado (Ministério da Justiça, Saúde, Educação, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Funai, Incra, Conselho de Gestão do Patrimônio Genético- CGEN e outros);

– para maior eficiência na execução dessas políticas é necessário que exista um órgão com competência para coordena-las;

– reivindicamos para isso a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que deverá ser composto por representantes dos povos indígenas, das entidades de apoio à causa indígena e do Governo Federal, e que terá poder para coordenar as ações governamentais dos vários Ministérios voltadas aos povos indígenas;

– o Conselho deve estar vinculado a Presidência da República;

– o Conselho deve ter competência deliberativa, portanto ser criado por Lei; 

– o Governo Federal, por meio dos Ministros Márcio Thomas Bastos, José Dirceu, da Casa Civil, e Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência, se comprometeu a implementar o Conselho Nacional de Política Indigenista; 

– apoiaram a constituição do Conselho o Líder do PT no Senado, Senador Delcídio Amaral, o Senador Eduardo Suplicy e o Deputado Eduardo Valverde, coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, além do Presidente da Funai Mércio Gomes. 

 

  1. Terras Indígenas 

– manifestamos total apoio ao Governo Federal pela homologação da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, em área contínua;

– o tratamento vacilante da FUNAI e do Ministério da Justiça na garantia dos direitos territoriais indígenas tem resultado em obstruções aos procedimentos de regularização de terras indígenas e lentidão na constituição de GTs de identificação, na publicação de resumos de relatórios e principalmente na expedição de Portarias Declaratórias, caso das 14 terras paradas no Ministério da Justiça cujo motivo da demora em declará-las não foi devidamente esclarecido pelo Ministro da Justiça e muito menos pelo Presidente da Funai;

– nos preocupamos com o tratamento dado à regularização de terras indígenas nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul onde pressões políticas tem se sobreposto aos direitos indígenas; 

– é preocupante a falta de uma política decidida para resolver, de uma vez por todas, os casos de ocupantes não-índios em Terras Indígenas já homologadas;

– demonstramos preocupação quanto ao rumo que vem tomando o Poder Judiciário quanto aos direitos territoriais indígenas, e esperança de que ele venha a ser modificado para casos futuros, como é o da ação relativa à Terra Indígena Caramuru-Paraguassu do povo Pataxó Hã-hã-hãe, que aguarda há mais de 20 anos uma solução;

– exigimos a revogação da determinação do Presidente da Funai em não iniciar os estudos para a revisão de limites de terras indígenas cujas demarcações excluíram indevidamente partes do território tradicional;

– o Ministro da Justiça se comprometeu a estudar caso-a-caso as 14 terras paradas no MJ, sem estabelecer prazos ou esclarecer os motivos da demora, o que consideramos falta de compromisso objetivo;

– o Presidente da Funai não se comprometeu em agilizar a regularização de terras indígenas no que se relaciona à formação de GTs, publicação de resumos de relatórios de identificação e tampouco prestou esclarecimentos quanto à indevida negociação dos direitos territoriais indígenas. 

– o presidente do Incra assumiu o compromisso de realizar uma análise das 74 áreas de conflito envolvendo povos indígenas e pequenos agricultores, com o objetivo de reassentar os pequenos agricultores fora dos territórios indígenas.

 

  1. Ameaças aos direitos indígenas no Congresso Nacional

– nos preocupamos com o grande volume de proposições legislativas que hoje tramitam no Congresso Nacional contra os direitos indígenas assegurados na Constituição Federal, especialmente os territoriais (destaques: PEC 38/99; PEC 03/04; PLS 188/04);

– entendemos que os direitos indígenas não devem ser tratados isoladamente, mas de forma articulada dentro do Estatuto dos Povos Indígenas;

– o Senador Delcídio, líder da Bancada de Apoio ao Governo no Senado Federal, comprometeu-se em agir para que os direitos garantidos nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal não sejam alterados pelo Congresso, bem como reunir numa única comissão todas as proposições que estão tramitando para preparar a discussão de reformulação do Estatuto dos Povos Indígenas;

– o Senador Delcídio também comprometeu-se e garantiu que o PLS 188 não voltará a tramitar no Congresso, a partir do entendimento de que é uma matéria tratada isoladamente e contrária aos direitos indígenas.

– o Ministro José Dirceu se comprometeu a orientar a base aliada para conter as iniciativas legislativas que signifiquem retrocesso nos direitos indígenas. 

 

  1. Gestão territorial e sustentabilidade das Terras Indígenas

– constatamos uma dispersão dos recursos para gestão ambiental em Terras Indígenas hoje existentes no Ministério do Meio Ambiente e dificuldade de acesso dos povos e organizações indígenas a esses recursos

– entendemos ser necessário superar a lógica de projetos pontuais e de curto prazo em favor de uma estratégia nacional concretizada em programas etno-regionais de longo prazo, articulados com ações na área de educação;

– estamos preocupados com a possível desvirtuação, no âmbito da Casa Civil, do Ante Projeto de Lei de acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados saído do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) e elaborado com participação das organizações indígenas e da sociedade civil organizada;

– repudiamos o projeto de transposição do rio São Francisco e apoiamos um programa de revitalização do rio;

– propomos a criação de um programa nacional de gestão territorial e proteção da biodiversidade em Terras Indígenas, com participação das organizações indígenas em sua formulação e execução;

– reivindicamos a participação indígena no Cgen com direito a voto;

– o Ministério do Meio Ambiente assumiu o compromisso de finalizar a formulação da pré-proposta do programa nacional de gestão territorial e proteção da biodiversidade em Terras Indígenas até maio para encaminhar para aprovação do Fundo Global do Meio Ambiente (GEF);

– o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em defender dentro do Executivo a proposta de Anteprojeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional apresentado pelo Cgen;

– o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em trabalhar em articulação com as organizações indígenas na preparação e participação na 8a Reunião das Partes da Convenção da Biodiversidade, a ser realizada no Brasil em março de 2006;

– O Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em reunir as várias ações para os povos indígenas dentro do Ministério para integrá-las.

 

5- Saúde Indígena

– entendemos que o modelo de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) deve ser assegurado, porém sua operacionalização encontra vários gargalos tais como: falta de estrutura e capacitação para os indígenas que integram os Conselhos Distritais; recursos incompatíveis com as suas demandas; falta de autonomia administrativa e financeira dos DSEIs; 

– recusamos a tendência de municipalização da gestão da saúde indígena e exigimos que a FUNASA se estruture para assumir de fato suas responsabilidades no setor, garantindo sua federalização;

– requeremos a participação indígena efetiva na construção e realização da Conferência Nacional de Saúde Indígena;

– reforçamos a necessidade de capacitação dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para a fiscalização da aplicação dos recursos e das ações da FUNASA;

– exigimos que se garanta a autonomia administrativa e financeira dos DSEIs.

– o Ministério da Saúde comprometeu-se em realizar a Conferência Nacional de Saúde Indígena em Março de 2006, assegurando ampla participação dos povos e organizações indígenas;

– o Ministério da Saúde analisará e implementará regras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA e com o reconhecimento profissional dos agentes indígenas de saúde;

– o Ministério da Saúde não se comprometeu com as demandas das plenárias quanto a melhoria da eficiência da participação indígena nos Conselhos Locais e Distritais e nem respondeu os questionamentos sobre a tendência à municipalização da gestão.

6 – Educação

– entendemos que a transferência da execução das ações da educação escolar indígena para os estados – e destes para os municípios – é o principal problema para a implantação de uma educação escolar indígena diferenciada e de qualidade;

os Estados e os municípios não são capazes ou demonstram vontade política em seguir as orientações do MEC quanto a este tema;

– exigimos do MEC a convocação de uma Conferência Nacional de Educação Indígena e que o Governo Federal estude formas de exigir dos estados e municípios o cumprimento da Constituição e das normais legais que nos asseguram uma educação escolar diferenciada de qualidade;

– exigimos a ampliação dos convênios com as Universidades Públicas Federais e estaduais nas regiões e não só com a Universidade de Brasília;

– exigimos do MEC que implemente junto aos Estados a abertura dos cursos de ensino médio nas aldeias;

– o Ministério da Educação – MEC não se comprometeu a convocar a Conferência Nacional de Educação Indígena e nem tocou no assunto das escolas técnicas e dos cursos de ensino médio nas aldeias;

– o MEC se comprometeu a implementar o que chama de “assistência estudantil”: uma bolsa de estudos para manter os estudantes indígenas nas universidades;

– o MEC se comprometeu em pressionar os Estados para garantir a presença indígena nos Conselhos Locais e Nacional do FUNDEF e em aumentar o orçamento para a educação escolar indígena em 2006.

Ressaltamos que o Acampamento Terra Livre é a expressão da vontade de união dos povos indígenas do Brasil entre si e com seus aliados. Apesar das forças contrárias, continuamos determinados a lutar para garantir o irrestrito respeito aos nossos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

Carta da Mobilização Nacional Terra Livre

Abril Indígena

Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Not%C3%ADcias?id=15455

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