José Boiteux, 09 de março de 2005.
CARTA DE PROTESTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO EM BLUMENAU – SC E BRASÍLIA – DF, AP PRESIDENTE DA FUNAI, EM BRASÍLIA-DF, PREFEITOS DO ALTO VALE DO ITAJAÍ, IMPRENSA LOCAL, DEMAIS AUTORIDADES E A POPULAÇÃO EM GERAL.
O povo indígena Xokleng vem através deste, expressar o descontentamento que sentem com o descaso, desrespeito e descriminação que vêm sofrendo por parte de autoridades, políticos e muitos outros da sociedade que nos cercam.
Somos um povo único no sul do Brasil, ou seja, em Santa Catarina, com uma história milenar e cultura própria herdado pelos nossos antepassados, caçadores e coletores nômades, que viviam no sul do Brasil, até que em 1912 foi titulada uma terra em nome do povo Xokleng, que foi reduzida em 1926, em esforço do governo do Estado de Santa Catarina e da 7ª Inspetoria Regional do SPI, regularizando assim a presença de intrusos, ocupando o território indígena. Antes o povo viva feliz, em contato com a terra, a nossa mãe natureza, mas foram obrigados a deixar seu habitat natural para entrar na chamada civilização. Tínhamos duas opções, se sujeitar ou sermos dizimados para sempre pelos chamados bugreiros, que eram pagos mediante a apresentação da orelha dos indígenas mortos, conforme o livro Memória Visual, do autor Sílvio Coelho.
No dia 22 de setembro de 1914 foi o primeiro contato direto com os brancos, as margens do Rio Platê. Em 1961, o Governo Federal atendendo a reclamo da bancada catarinense, concebeu o “Plano de contenção das enchentes do Vale do Itajaí”, através do extinto Departamento nacional de Obras e Saneamento – DNOS, que quinze anos depois, na década de 70, teve início a polêmica Barragem Norte, que afundou a esperança de um povo.
Este é o motivo que leva o povo a lutar, fazer greves e manifestos, em busca de seus direitos garantidos na constituição federal. Não somos contra a barragem, queremos apenas ser ressarcidos pelos prejuízos que esta nos causou; queremos que o Governo cumpra os convênios firmados com o extinto DNOS e FUNAI em 1981, Protocolo e Intenções, e o Projeto Ibirama, em 1992 e 1998.
O centro da questão, a posse permanente não é individual, mas sim posse coletiva, não se trata de indivíduos, mas de povos, logo de terras indígenas, não se caracterizam como bens aos índios, mas sim como habitat de povos etnicamente diferenciados, sendo que o usufruto não lega apenas a esta geração, mas a todas que se sucederão. E isto nos leva pedir encarecidamente as autoridades competentes a presença de técnicos para realizar o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) dos 856,527 ha, levado para 1.156,000 ha que estão afogados nas contenções de cheias da barragem, e os mais de 50 mortos, uns por afogamento, outros por epidemias causadas por impurezas que pairam as margens do rio em época de enchentes. Enquanto que 1.078.642 (hum milhão e setenta e oito mil e seiscentos e quarenta e dois) residentes em mais de 50 (cinqüenta) municípios na micro-região do vale do Itajaí, são beneficiados, o povo indígena sofre perdas de seus entes queridos e sabemos que uma vida não tem preço. Não tivemos nem um benefício com esta obra, perdemos nosso habitat, perdas emocionais e sociais. Além dos vários integrantes do povo que saíram para a região urbana em busca de sobrevivência.
Estamos cercados, pela barragem, empresários e colonos e pelo Ibama, não podemos vender palmito, palanques, lenha e outros, como prevê a constituição federal, o usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo.
Hoje este povo conta com 403 (quatrocentos e três) famílias, aproximadamente 2.000 (duas mil) pessoas, sendo que menos de 100 (cem) famílias são assalariadas, entre elas, agentes de saúde, professores, aposentados e funcionários da FUNAI. As demais famílias vivem a mercê da sorte. Somos um povo rico tradicionalmente, que vive na pobreza, por falta de política justa direcionada especificamente não só aos Xokleng, mas a todos os povos indígenas no Brasil ou será que temos que deixar nossas terras e ser mais um dos favelados nas capitais do País? Este fato intrigante leva-nos a pedir um recurso emergencial em moeda corrente do país, até ser negociado uma justa indenização e, conseqüentemente a demarcação de nossas terras. Pois, há anos que estamos lutando com o objetivo de sermos indenizados, esperamos que as autoridades competentes tomem as providências cabíveis para nossa situação e para termos o retorno das nossas solicitações.
Povo Indígena Xokleng
(seguem três páginas duplas, com assinaturas).
Fonte: https://cimi.org.br/2005/03/23280/